Entrevista da semana: Falando sobre suicídio, com a psicóloga Poliana Galeno Pinheiro

Em alusão ao mês de setembro, mês de prevenção ao suicídio, conversamos com a Psicóloga Poliana Galeno Pinheiro. Acompanhe a entrevista de estreia da nova coluna do Tribuna “Entrevista da Semana”.

Da Redação do Tribuna de Parnaíba

1) Quais os fatores de risco para pensamentos suicidas?
Cada pessoa tem sua singularidade e história de vida e há uma mescla de fatores individuais, emocionais, socioculturais, psiquiátricos e religiosos que podem contribuir para formar pensamentos e ideias que a levam a cometer suicídio. Compreender por que a pessoa pensa ou decide tirar a própria vida quando passa por dificuldades semelhantes à de outras pessoas que não cometem o mesmo é bastante complexo e, a ajuda de um profissional é necessária para que o indivíduo possa superar esta situação.

Há ainda um senso comum em acreditar que toda pessoa que tira a própria vida estava com depressão, na verdade não é bem assim, estudos mostram que apenas 15% a 20% das pessoas com depressão cometem suicídio. Desta forma, conclui-se que a depressão é um fator de risco e não necessariamente causa do ato.

Portanto, existem sim fatores que devem ser considerados importantes e que podem contribuir para pensamentos, tentativas e reincidência de tentar o ato de suicídio, lembrando que não são os únicos, podendo existir uma infinidade de acontecimentos que podem levar ao ato, pois cada pessoa tem uma visão e forma de encarar as adversidades. São eles:

– História de tentativas anteriores;
– Pessoas com dificuldades de resiliência;
– Transtorno mental (depressão, abuso de álcool e outras drogas, esquizofrenia, transtornos de ansiedade, etc.);
– Desagregação e violência familiar;
– Crianças e adolescentes nas ruas, em abandono ou vítimas de abusos sexuais e maus tratos;
– Idosos sem convivência familiar ou que sofrem abandono e maus tratos;
– Situações de luto;
– Desemprego, perda recente do emprego ou endividamento;
– Trabalho infantil;
– Bullying;
– Dificuldade de integração e socialização na escola;
– Violência familiar;
– Dificuldades em relação a identidade e orientação sexual;
– Situações de assédio moral;
– Suicídios na família;
– Condições clínicas incapacitantes (AIDS, trauma medular, lesões desfigurantes, etc.)

2). É possível identificar pessoas com tendências suicidas?
Sim, não diria tendência, mas identificar comportamentos e pensamentos que levem ao ato de cometer suicídio, é possível sim. Em alguns casos, nem a própria família e amigos conseguem identificar tal problemática e são pegos de surpresa quando o pior acontece, porém, devemos ficar atentos, e até os sinais mais sutis, não devem ser ignorados.

Em ambiente clínico, quando o paciente não chega prontamente expressando suas angustias e até possíveis intenções em tirar sua vida, seja por medo, vergonha ou receio, o profissional psicólogo ou psiquiatra deve sempre ficar atento, prestando uma escuta qualificada e se utilizar de métodos e técnicas que o auxilie a avaliar os riscos, o grau de intencionalidade e se existe a possibilidade real e até um plano e método já prontos para cometer o ato e, assim, conseguir agir o mais rápido possível diante desta demanda mais urgente.

É importante entender, que devido a forma de como a sociedade ainda encara essa problemática, tratando-a como um tabu e os indivíduos como fracos diante de suas dificuldades, faz com que a pessoa que esteja em sofrimento se sinta acuada em procurar ajuda e expressar a intencionalidade de acabar com a própria vida, desta forma, apenas uma pequena proporção do comportamento suicida (pensamentos, planos e a tentativa de suicídio) chega ao nosso conhecimento, dificultando assim intervenções nos casos de risco e o avanço de uma educação preventiva sobre a problemática.

3) O ditado “quem muito fala pouco age”, pode ser aplicado às pessoas que falam em cometer suicídio?
Na verdade, não. A maioria das pessoas com ideias de cometer suicídio comunica seus pensamentos e intenções. Elas, frequentemente, dão sinais comportamentais e fazem diversos comentários como formas de pedir ajuda de forma não diretiva, já que, a pessoa em risco de suicídio apresenta ambivalência entre querer morrer e viver

É comum identificarmos sinais comportamentais como tristeza durante a maior parte do dia e/ou isolamento; perda de prazeres ou do interesse em atividades do dia-a-dia; irritação, ansiedade, falta de energia, perda ou ganha de peso sem dieta; abuso de álcool e outras drogas; tentativas anteriores de cometer suicídio.

No âmbito dos sentimentos essas pessoas podem sentir desesperança frente aos seus problemas, sentimentos de inutilidade, culpa e sentir-se um peso para os outros. Além disso, é possível identificar frases de alerta ditas pelos mesmos, como, por exemplo: “eu prefiro estar morto”, “eu não aguento mais”, “eu sou um perdedor e um peso para os outros”, “eu não encontros mais sentindo na vida”, etc.

Geralmente uma pessoa que está em sofrimento psíquico ou é acometida por algum transtorno psiquiátrico, como por exemplo a depressão, e que esteja com pensamentos de desesperança e com ideação suicida, demonstra, através da fala ou de atos e comportamentos, no fundo o desejo de ser ajudada, de ser escutada e ser compreendida, seria um pedido de socorro.

Para essas pessoas, tirar a vida seria a única solução para acabar com o grande sofrimento que têm passado. Na verdade, elas não desejam morrer, apenas acabar com sua dor, são pessoas que acreditam ter esgotado quaisquer outras possibilidades de acabar com seus problemas, se sentem desesperançadas e desamparadas, e entendem que a morte será a única solução.

Portanto, uma pessoa que dá sinais e não recebe ajuda necessária, seja de profissionais capacitados, apoio familiar e círculo social/comunitário, pode sim praticar tentativas e/ou partir para ato de cometer o suicídio.

4) Suicídios tem maiores índices em determinados perfis? Quais são eles?
Como já dito, pensamentos, planos e a tentativa de suicídio podem perpassar pela vida de qualquer pessoa e isso dependerá do grau de resiliência em que a mesma se encontra, de fatores estressores, situação socioeconômica a qual vivencia, dentre outros inúmeros fatores. Porém, pesquisas indicam que os jovens, os mais idosos e os socialmente isolados, como a população indígena e rural, são mais suscetíveis.

Entre os Jovens, aqui no Brasil representa a 3º principal causa de morte nesta faixa etária. Já entre os idosos é elevado devido à perda de parentes, principalmente do conjugue, solidão, sensação de estar dando muito trabalho a família, dentre outros fatores.

O suicídio é 3 vezes maior entre os homens, porém as tentativas são mais frequentes entre as mulheres.

Há também um índice maior entre aqueles que têm doenças clínicas crônicas, que tem outros casos na família de tentativa e de suicídio, ou, que passaram por algum evento adverso durante a infância e adolescência.

5) Pensamentos suicidas podem ser tratados?
Sim, as crenças e pensamentos disfuncionais que sustentam a intencionalidade do ato suicida podem ser trabalhados com a ajuda de um psicólogo e, a depender da natureza da dificuldade, se fará necessário um trabalho conjunto com o médico psiquiatra.

É importante que a pessoa saiba que ela pode ser ajudada e o que ela passa é mais comum do que se divulga. Além disso, se faz importante que o indivíduo possa ter uma rede de apoio familiar e comunitário capaz de acolher sua dor e sofrimento e ajudá-lo a superar essa fase difícil que tem vivenciado.

6) Falar sobre o tema suicídio, estimula a quem já tenha a intenção de cometer o ato?
Não, ao contrário, conversar abertamente pode fazer com que a pessoa se sinta acolhida e tenha oportunidade de pedir ajuda, já que a pessoa em risco de suicídio apresenta ambivalência entre querer morrer e viver. Desta forma, quando o tema é trabalhado em campanhas preventivas e abordado por instituições sérias e, profissionais qualificados para expor sobre o assunto, não há nada o que temer.

Nossa sociedade ainda hoje trata o tema como um tabu, herança de crenças que trazem o ato de tirar a própria vida como um pecado e assim dificultando se trabalhar sobre o tema.

É necessário que possamos desmistificar tal assunto para que o tema possa cada vez mais fazer parte de capacitação de profissionais da saúde, de discussões comunitárias, escolares, familiares, enfim, para que ele possa adentrar em todos os campos sociais e fortalecer toda a rede de apoio da qual aquele indivíduo faz parte e, assim, prevenir e facilitar a identificação e tratamento daqueles que já se encontram em sofrimento.

É preciso perder o medo de se aproximar das pessoas e oferecer ajuda, é preciso deixar o preconceito de lado e desqualificar o suicido apenas como um problema individual. Sabemos que existem as motivações pessoais, mas nossa sociedade capitalista tem sua parcela influenciadora que prega o discurso da excelência, e da procura a todo custo da felicidade plena, então quando o indivíduo se encontra em uma crise existencial, com pensamentos e tentativas de suicídio, ele se percebe sozinho e isolado e quando acontece o pior, é inevitável que a vida de várias outras pessoas ,como familiares, amigos, vizinhança, escola e comunidade não sejam atingidas pelo acontecimento.

7). Uma vez que o indivíduo tenha pensamentos suicidas, há cura ou tratamento contra recaídas?
Sim. Antes mesmo de planejar qualquer ato que atente contra a própria vida ou, antes, chegar a ter pensamentos desesperançosos que o limitem a encontrar outras alternativas de resolução de seus problemas, que não seja o de tirar a vida, é importante entender, como dito antes, que o indivíduo quer acabar com o seu sofrimento e que a morte seria a solução de acabar com sua dor.

Desta forma, diante da identificação do problema, é de suma importância que a pessoa tenha acompanhamento de um psicólogo e de outros profissionais, como o médico psiquiatra, para compor o tratamento necessário, de acordo com o grau de sua demanda.

Faz-se também igualmente importante, já na fase de prevenção de recaídas, que tais profissionais possam auxiliar a família a encarar esse momento repassando informações e instrumentalizando-os sobre a problemática, para impedir que façam julgamentos de juízo de valor condenatórios e preconceituosos que podem fazer com que aquela pessoa tenha recaída em seu quadro clínico, já que um dos períodos mais perigosos é quando se está melhorando da crise que motivou a tentativa, pois os motivos que a levaram ao ato muitas vezes não foram sanados.

Poliana Galeno Pinheiro é Psicóloga (CRP-21/02449) graduada pela Universidade Federal do Piauí e Pós-Graduanda em Terapia Cognitivo-Comportamental

*É importante frisar que durante o mês de setembro, em todo o Brasil, existe a campanha de prevenção ao suicídio intitulada de “setembro amarelo” de Iniciativa do CVV (Centro de Valorização da Vida), CFM (Conselho Federal de Medicina) e ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) desde 2015 e que ao longo dos anos, diversos dispositivos de saúde e da Assistência de diversos municípios vem aderindo e fortalecendo a campanha. Vale ainda lembrar que o CVV é uma entidade sem fins lucrativos que atua gratuitamente na prevenção do suicídio desde 1962 e que disponibiliza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone (ligue 141), e-mail, chat e voip 24 horas todos os dias.

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